Multiparentalidade reconhecida, nome de pai adotivo é inserido em registro sem a exclusão do pai biológico
Um caso de multiparentalidade foi reconhecido em um município localizado no Norte do Rio Grande do Sul. Uma adolescente de 15 anos passou a ter o nome de seu “pai de coração” nos registros, sem a exclusão do pai biológico. A decisão é do Juiz de Direito Fernando Vieira dos Santos, da Comarca de Gaurama.
Na ação de pedido de adoção, o pai afetivo alegou manter uma relação afetuosa com a menina, além de uma parentalidade já manifestada no convívio comunitário e social. Após a sentença, a adolescente passou a ter, inclusive, o prenome do pai adotivo acolhido em seu próprio nome. Não houve manifestação contrária do pai biológico ou das famílias extensas dos interessados.
“Por que o que está no coração de todos deve ser diferente daquilo que está no registro?”, questionou o magistrado em sua decisão. Para o promotor aposentado, advogado e professor Dimas Messias Carvalho, membro do IBDFAM, a sentença tem extrema importância para o Direito de Família, pois reconhece o valor jurídico da afetividade e o pluralismo de entidades familiares, equiparando filiação socioafetiva à biológica.
“O reconhecimento jurídico da multiparentalidade ou filiação múltipla, coexistindo pais biológicos e socioafetivos, é um fenômeno recente no Direito brasileiro que busca agasalhar muitas situações que sempre existiram”, observa Dimas. Os casos mais comuns, segundo o advogado, são de madrastas e padrastos que criam, amam e consideram como filhos a prole de seus consortes.
Desde 2016, com a Repercussão Geral 622, o Supremo Tribunal Federal reconhece a filiação socioafetiva, a igualdade do parentesco biológico e socioafetivo e a possibilidade concomitante de mais de um vínculo de filiação. “Assim, finalmente foi reconhecida as relações de afeto que sempre existiam na humanidade, mas não possuíam valor jurídico”, aponta Dimas.
Em sua decisão, o juiz Fernando Vieira dos Santos ressaltou as mudanças, ao longo do tempo, na noção de entidade familiar. “O ordenamento jurídico vigente consagra, sem maiores polemizações decorrentes de extremismo religioso ou ideológico, diferentes formatações para uma entidade familiar, que não correspondem, necessariamente, a conceitos arcaicos ou antigos do que seria a chamada família tradicional”, salientou.
“A decisão é totalmente contrária à chamada tradicional família brasileira, que se constituía apenas pelo casamento entre homem e mulher, patrimonializada, e legitimava apenas os filhos concebidos na constância do matrimônio, sem reconhecimento dos filhos socioafetivos”, observa Dimas.
Segundo ele, é essencial a constante revisão e atualização do Direito de Família para que se acompanhe a evolução da sociedade e se possa suprir lacunas no Legislativo e Judiciário brasileiros. “As famílias atuais, que possuem como elemento agregador a afetividade, vivem em constante evolução, mudando conceitos e quebrando paradigmas, como tem ocorrido com a igualdade de gêneros, a pluralidade de modelos de constituição e a multiparentalidade”, conclui.
Fonte: IBDFAM
